domingo, 30 de maio de 2010

HUMOR

A HORA DAS ENLOUQUECIDAS


Representações de comportamentos caricaturais, em especial os que criam estereótipos de homossexuais masculinos e femininos, sempre estiveram na mira dos programas de humor. Freud, assim como muitas gerações de psicanalistas, explicam — ou pelo menos oferecem uma leitura que ajuda a esclarecer o ponto de vista de quem centra seu fogo vexatório nesses tipos. E o que será que anda se passando pela cabeça dos produtores dessas atrações de televisão que, ultimamente, tanta ênfase têm dado a personagens afetados?
É um campo vasto de estudo. Mas, enquanto isso, do lado de cá da telinha, o público se diverte com essas caricaturas. Personagens que dão muita pinta continuam em alta, principalmente no Pânico na TV (Rede TV!) e no Zorra total (Globo). É uma verdadeira exaltação à frescuragem, e a questão passa a sinalizar para a delicadeza da fronteira que situa essa preferência entre o grotesco — porta aberta ao preconceito — e o meramente divertido — que pode, com boa vontade, resvalar para a simpatia.
Como assim? O mecanismo é relativamente simples, no caso dos personagens gays dos programas das duas emissoras. Acontece que, tanto na Record quanto na Globo, as criações mais recentes têm uma fonte de inspiração comum: os tipos foram francamente inspirados em gente de carne e osso que participou do último Big Brother Brasil, da Globo. São eles Serginho e Dicésar. No Zorra total, o próprio Serginho dá vida a um personagem homônimo e atua com um clone, Celinho, vivido pelo ator Andy Gerker. É um caso de personagem de si próprio, convenientemente criado a partir da popularidade que Serginho adquiriu ao participar daquele programa tão questionável (e bom de audiência). Serginho e Celinho, protagonistas de um quadro fixo de cenário fashion, apresentam-se em figurinos espalhafatosos e são autênticas bibas de mostruário, daquelas em quem não cabe mais um centímetro cúbico de afetação.
Já no Pânico na TV, Carioca e César Polvilho também pegam carona nesta fonte, a do BBB: novamente vêm à tona as figuras de Serginho, vivido por Polvilho, e de Dicésar, que desponta lépido e fagueiro na interpretação de Carioca. Grosso modo, é como se a emissora faturasse a partir de uma “dica” do outro canal. No reino da Rede TV!, entretanto, isso nem pode ser considerado cópia — afinal, a linha do Pânico na TV tem entre suas tradições a de fazer paródias de produtos de outras emissoras. E o faz, vamos reconhecer, muito bem.
Outro dado é que a exploração de personagens mezzo-fictícios mezzo-reais, marcados por trejeitos afeminados com tempero de maledicência, são praticamente uma regra no Pânico na TV. A bem dizer, isso já se converteu em marca registrada. É o caso do ator Evandro Santos — o Christian Pior —, que, muito apropriadamente, se define como “operário do humor.” E tem tiradas célebres do tipo: “Ovulei”, “Oi, classe média”, “Se corta, invejosa!”, “Sangue de Chanel tem poder” e “Jesus, apaga a luz, que a Madonna tá sem maquiagem”, entre tantas outras que já caíram no gosto popular.
Já que tudo na vida tem mais de um lado — às vezes, mais de dois —, a glamourização das bibas enlouquecidas pode ajudar a humanizar um perfil que, afinal, é corrente no mundo contemporâneo. Nas entrelinhas, ensina-se que diferenças existem para conviver. Daqui a alguns anos, quem sabe, isso pode enfraquecer as correntes homofóbicas — pelo menos enquanto elas não são uma instituição, como no caso de determinados países onde homossexuais, deslumbrados ou discretos, estão na mira da violência encorajada pelo Estado. No Brasil, uma ira dessas, se fosse amparada pela lei, significaria dizimar considerável parte da população ativa. Sem trocadilhos, por favor.

FONTE: CB-Chico Neto - Publicação: 29/05/2010

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